Uma avaliação crítica do uso da velocidade da barra para regular o treinamento de força

  • 01-10-2025

O artigo “A Critical Appraisal of Using Barbell Velocity Data to Regulate Training” (Hirsch et al., 2025) examina, de forma minuciosa, os limites metodológicos e as possibilidades práticas do chamado velocity-based training (VBT) — o uso da velocidade média da barra para tomar decisões de treino. A revisão confronta três crenças amplamente difundidas: (1) que a velocidade permite prescrever com precisão a intensidade como %1RM; (2) que a velocidade pode padronizar o volume via limiares de perda de velocidade com ganhos superiores; e (3) que a velocidade, por si só, seria suficiente para otimizar o processo de treino. A síntese dos autores é cautelosa: faltam evidências de que a velocidade média da barra permita regular com precisão a intensidade (como %1RM) de modo robusto entre sessões, e os benefícios de regular volume com limiar de velocidade parecem depender do objetivo (saltos/velocidade) e do perfil do praticante, não sendo claros para força máxima ou endurance muscular.

VBT: conceito e motivações

O VBT utiliza dados de velocidade média da barra para: (i) regular intensidade (substituindo %1RM por alvos de velocidade derivados de perfis carga-velocidade), (ii) regular volume (terminar séries quando a perda de velocidade atinge um limiar), e (iii) fornecer feedback para elevar a intenção de mover rápido e a motivação. A proposta nasce do reconhecimento de variações diárias na força máxima e das múltiplas influências (fadiga intra e entre sessões, dieta, responsividade individual, topologia de fibras, foco atencional e fatores psicoemocionais) sobre o desempenho.

Evidências comparativas

Duas meta-análises recentes não encontraram vantagens distintas de programas VBT sobre o treinamento baseado em porcentagens (%1RM, PBT) para ganhos de força máxima ou adaptações específicas de alta velocidade. É digno de nota que a maioria dos estudos comparativos usou a velocidade para regular intensidade e, em um caso, também volume; ainda assim, os resultados não foram consistentemente superiores aos do PBT.

Por que a “regulação precisa” da intensidade é problemática?

Os autores identificam cinco pressupostos interdependentes que, quando violados, minam a precisão do VBT para fixar %1RM entre sessões: (1) estabilidade temporal das predições do perfil carga-velocidade para dados futuros; (2) menor variabilidade das velocidades submáximas do que da 1RM; (3) mesmas taxas de recuperação de capacidades de força e de velocidade; (4) efeitos similares de diferentes restrições de movimento sobre as relações carga-velocidade ao longo do tempo; e (5) confiabilidade do dispositivo em todas as velocidades. As evidências atuais mostram que esses pressupostos nem sempre se sustentam.

1) Precisão de modelos além da sessão inicial

Em estudos que estimaram 1RM a partir de: (a) MVT (velocidade mínima propulsiva), (b) LD0 (intercepto de velocidade zero no perfil carga-velocidade) e (c) método força-velocidade, os viéses oscilaram de 0,12% a 22,73% da 1RM e os limites de concordância de 2,75% a 102,83% da 1RM, dependendo do método e das combinações de cargas. Além disso, esses trabalhos compararam predições de 1RM com valores previamente testados, não com 1RM futuras sob diferentes estados de fadiga — condição mais próxima da prática.

2) O que é mais estável: 1RM ou velocidades submáximas?

Compilações de confiabilidade indicam que a 1RM tende a ser mais consistente do que as velocidades em 20–100% 1RM, quando testadas com repouso suficiente entre sessões. Assim, padronizar %1RM via alvos de velocidade pode adicionar ruído em vez de reduzi-lo — ao menos em cenários com recuperação completa, típicos dos estudos existentes. Falta investigar explicitamente a confiabilidade relativa sob fadiga.

3) Recuperações distintas de força e velocidade

Evidências sugerem que marcadores de “força” e de “velocidade” não recuperam no mesmo ritmo após diferentes ênfases de treino, com prejuízos que podem perdurar 24–72 h e deslocar a velocidade correspondente a uma dada %1RM. Logo, inferir flutuações de força máxima apenas por velocidades submáximas pode falhar, sobretudo em microciclos com fadiga acumulada.

4) Confiabilidade tecnológica e “ruído” de medida

Revisões sistemáticas mostram que transdutores lineares de posição tendem a ser mais válidos e confiáveis do que outros dispositivos, mas a variância tecnológica pode crescer substancialmente quando somada à variabilidade biológica. Em alguns sistemas, erros aumentam em velocidades mais altas, o que agrava a incerteza de estimar %1RM a partir de alvos de velocidade.

Regular volume com perda de velocidade: para quem e para quê?

A perda de velocidade intra-série se correlaciona com acúmulo de metabólitos e com o número de repetições “em reserva”. Usar limiares de perda pode ser útil para sprint/jump e para melhorar velocidades em cargas submáximas, mas os efeitos sobre força máxima e endurance são pequenos. Crucialmente, o limiar deve ser individualizado (sexo, nível de treino, traços psicológicos) e pode precisar ser ajustado à fadiga do dia. Modelos de distribuição variável de séries podem reduzir o tempo total de sessão, porém faltam estudos sobre seus efeitos crônicos em força e velocidade.

Para além da mecânica: integrar fatores motivacionais e atencionais (Teoria OPTIMAL)

Uma contribuição central da revisão é deslocar parte do foco: a velocidade também é uma ferramenta de coaching para modular expectativas, autonomia e foco externo do atleta. Esses fatores — conforme a Teoria OPTIMAL — elevam autoeficácia, sensação de escolha e automaticidade, melhorando desempenho e aprendizagem motora. Estratégias pragmáticas incluem dar feedback preferencial sobre as maiores velocidades da série, definir alvos desafiadores de velocidade e permitir que o atleta controle quando receber feedback. Tais usos podem regular demandas psicoemocionais do treino e potencialmente impulsionar adaptações de longo prazo, ainda carecendo de ensaios ecológicos que integrem essas dimensões.

Implicações práticas

  1. Regulação precisa de %1RM: com as evidências atuais, não há suporte para substituir rotineiramente a mensuração direta da 1RM por alvos de velocidade para padronizar intensidade entre sessões com recuperação completa. Em contextos com pouco controle (grandes grupos, treino remoto), a velocidade pode servir como indicador operacional para ajustar cargas do dia, reconhecendo seu erro.

  2. Uso criterioso de limiares de perda de velocidade: considerar objetivos (velocidade/sprint vs força máxima), individualizar limiares e monitorar fadiga. Evitar aplicar o mesmo percentual de perda a todos os atletas e dias.

  3. Priorizar a qualidade da medida: preferir dispositivos com melhor validade/confiabilidade e conhecer seus erros ao longo do espectro de velocidades.

  4. Explorar a dimensão psicobiológica: integrar alvos de velocidade como metas motivacionais, feedback positivo contingente às melhores repetições, instruções de foco externo e autonomia na gestão do feedback.

  5. Direções futuras: faltam estudos que validem modelos prospectivamente, sob diferentes graus de fadiga e em contextos ecologicamente válidos (vários exercícios, estruturas de sessão realistas), bem como ensaios que testem intervenções VBT+OPTIMAL em resultados crônicos.

Conclusão

A velocidade da barra é uma métrica valiosa, mas seu uso “como régua” para prescrever com precisão a intensidade (%1RM) entre sessões ainda carece de validação robusta e é vulnerável a variabilidade biológica, diferenças de recuperação entre capacidades, mudanças de contexto motor e ruído de medição. Em contrapartida, há um espaço promissor para empregar a velocidade como ferramenta de coaching que amplie motivação, intenção e foco — fatores que, quando bem manejados, podem potencializar o processo de adaptação em conjunto com decisões tradicionais de carga e volume.

Referência
Hirsch, S. M., et al. (2025). A Critical Appraisal of Using Barbell Velocity Data to Regulate Training. Journal of Strength and Conditioning Research, 39(3), 360–372.


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