O artigo “A Critical Appraisal of Using Barbell Velocity Data to Regulate Training” (Hirsch et al., 2025) examina, de forma minuciosa, os limites metodológicos e as possibilidades práticas do chamado velocity-based training (VBT) — o uso da velocidade média da barra para tomar decisões de treino. A revisão confronta três crenças amplamente difundidas: (1) que a velocidade permite prescrever com precisão a intensidade como %1RM; (2) que a velocidade pode padronizar o volume via limiares de perda de velocidade com ganhos superiores; e (3) que a velocidade, por si só, seria suficiente para otimizar o processo de treino. A síntese dos autores é cautelosa: faltam evidências de que a velocidade média da barra permita regular com precisão a intensidade (como %1RM) de modo robusto entre sessões, e os benefícios de regular volume com limiar de velocidade parecem depender do objetivo (saltos/velocidade) e do perfil do praticante, não sendo claros para força máxima ou endurance muscular.
O VBT utiliza dados de velocidade média da barra para: (i) regular intensidade (substituindo %1RM por alvos de velocidade derivados de perfis carga-velocidade), (ii) regular volume (terminar séries quando a perda de velocidade atinge um limiar), e (iii) fornecer feedback para elevar a intenção de mover rápido e a motivação. A proposta nasce do reconhecimento de variações diárias na força máxima e das múltiplas influências (fadiga intra e entre sessões, dieta, responsividade individual, topologia de fibras, foco atencional e fatores psicoemocionais) sobre o desempenho.
Duas meta-análises recentes não encontraram vantagens distintas de programas VBT sobre o treinamento baseado em porcentagens (%1RM, PBT) para ganhos de força máxima ou adaptações específicas de alta velocidade. É digno de nota que a maioria dos estudos comparativos usou a velocidade para regular intensidade e, em um caso, também volume; ainda assim, os resultados não foram consistentemente superiores aos do PBT.
Os autores identificam cinco pressupostos interdependentes que, quando violados, minam a precisão do VBT para fixar %1RM entre sessões: (1) estabilidade temporal das predições do perfil carga-velocidade para dados futuros; (2) menor variabilidade das velocidades submáximas do que da 1RM; (3) mesmas taxas de recuperação de capacidades de força e de velocidade; (4) efeitos similares de diferentes restrições de movimento sobre as relações carga-velocidade ao longo do tempo; e (5) confiabilidade do dispositivo em todas as velocidades. As evidências atuais mostram que esses pressupostos nem sempre se sustentam.
Em estudos que estimaram 1RM a partir de: (a) MVT (velocidade mínima propulsiva), (b) LD0 (intercepto de velocidade zero no perfil carga-velocidade) e (c) método força-velocidade, os viéses oscilaram de 0,12% a 22,73% da 1RM e os limites de concordância de 2,75% a 102,83% da 1RM, dependendo do método e das combinações de cargas. Além disso, esses trabalhos compararam predições de 1RM com valores previamente testados, não com 1RM futuras sob diferentes estados de fadiga — condição mais próxima da prática.
Compilações de confiabilidade indicam que a 1RM tende a ser mais consistente do que as velocidades em 20–100% 1RM, quando testadas com repouso suficiente entre sessões. Assim, padronizar %1RM via alvos de velocidade pode adicionar ruído em vez de reduzi-lo — ao menos em cenários com recuperação completa, típicos dos estudos existentes. Falta investigar explicitamente a confiabilidade relativa sob fadiga.
Evidências sugerem que marcadores de “força” e de “velocidade” não recuperam no mesmo ritmo após diferentes ênfases de treino, com prejuízos que podem perdurar 24–72 h e deslocar a velocidade correspondente a uma dada %1RM. Logo, inferir flutuações de força máxima apenas por velocidades submáximas pode falhar, sobretudo em microciclos com fadiga acumulada.
Revisões sistemáticas mostram que transdutores lineares de posição tendem a ser mais válidos e confiáveis do que outros dispositivos, mas a variância tecnológica pode crescer substancialmente quando somada à variabilidade biológica. Em alguns sistemas, erros aumentam em velocidades mais altas, o que agrava a incerteza de estimar %1RM a partir de alvos de velocidade.
A perda de velocidade intra-série se correlaciona com acúmulo de metabólitos e com o número de repetições “em reserva”. Usar limiares de perda pode ser útil para sprint/jump e para melhorar velocidades em cargas submáximas, mas os efeitos sobre força máxima e endurance são pequenos. Crucialmente, o limiar deve ser individualizado (sexo, nível de treino, traços psicológicos) e pode precisar ser ajustado à fadiga do dia. Modelos de distribuição variável de séries podem reduzir o tempo total de sessão, porém faltam estudos sobre seus efeitos crônicos em força e velocidade.
Uma contribuição central da revisão é deslocar parte do foco: a velocidade também é uma ferramenta de coaching para modular expectativas, autonomia e foco externo do atleta. Esses fatores — conforme a Teoria OPTIMAL — elevam autoeficácia, sensação de escolha e automaticidade, melhorando desempenho e aprendizagem motora. Estratégias pragmáticas incluem dar feedback preferencial sobre as maiores velocidades da série, definir alvos desafiadores de velocidade e permitir que o atleta controle quando receber feedback. Tais usos podem regular demandas psicoemocionais do treino e potencialmente impulsionar adaptações de longo prazo, ainda carecendo de ensaios ecológicos que integrem essas dimensões.
Regulação precisa de %1RM: com as evidências atuais, não há suporte para substituir rotineiramente a mensuração direta da 1RM por alvos de velocidade para padronizar intensidade entre sessões com recuperação completa. Em contextos com pouco controle (grandes grupos, treino remoto), a velocidade pode servir como indicador operacional para ajustar cargas do dia, reconhecendo seu erro.
Uso criterioso de limiares de perda de velocidade: considerar objetivos (velocidade/sprint vs força máxima), individualizar limiares e monitorar fadiga. Evitar aplicar o mesmo percentual de perda a todos os atletas e dias.
Priorizar a qualidade da medida: preferir dispositivos com melhor validade/confiabilidade e conhecer seus erros ao longo do espectro de velocidades.
Explorar a dimensão psicobiológica: integrar alvos de velocidade como metas motivacionais, feedback positivo contingente às melhores repetições, instruções de foco externo e autonomia na gestão do feedback.
Direções futuras: faltam estudos que validem modelos prospectivamente, sob diferentes graus de fadiga e em contextos ecologicamente válidos (vários exercícios, estruturas de sessão realistas), bem como ensaios que testem intervenções VBT+OPTIMAL em resultados crônicos.
A velocidade da barra é uma métrica valiosa, mas seu uso “como régua” para prescrever com precisão a intensidade (%1RM) entre sessões ainda carece de validação robusta e é vulnerável a variabilidade biológica, diferenças de recuperação entre capacidades, mudanças de contexto motor e ruído de medição. Em contrapartida, há um espaço promissor para empregar a velocidade como ferramenta de coaching que amplie motivação, intenção e foco — fatores que, quando bem manejados, podem potencializar o processo de adaptação em conjunto com decisões tradicionais de carga e volume.
Referência
Hirsch, S. M., et al. (2025). A Critical Appraisal of Using Barbell Velocity Data to Regulate Training. Journal of Strength and Conditioning Research, 39(3), 360–372.