Atualmente,
muitos praticantes de atividades físicas e atletas de elite incorporam
exercícios para os músculos do core
em seus programas de treinamento. Todavia, os estudos ainda reportam achados e
conclusões contraditórias a respeito da eficácia dessa estratégia. Grande parte
dessa confusão advém de pesquisas realizadas no setor de reabilitação, cujos
resultados não devem e não podem ser aplicados ao ambiente esportivo. Nesse texto
discutiremos se você realmente deve incorporar exercícios para o core em suas rotinas de treinamento e
caso sim, quais exercícios seriam mais eficazes para ativar tal musculatura.
Core significa núcleo, ou
centro. No contexto do treinamento físico, o core
é definido como “uma caixa” composta pelos músculos do abdômen, os para
espinhais e os glúteos. O diafragma seria o “teto” e os músculos da região do
quadril e da pelve seriam o “chão” 1. Todavia, inúmeros modelos têm sido publicados
na tentativa de descrever melhor as partes do corpo integrantes do core, bem
como sua complexa interação com os demais processos que trabalham em conjunto
na sua estabilização. Fisiologicamente, a definição do core também varia de
estudo para estudo. Tal diferença advém do contexto usado na discussão dos
estudos. Os estudos com maior enfoque na parte de reabilitação apresentam um
enfoque e definição distinta dos estudos com ênfase no desempenho esportivo 2. Resumidamente, concluímos então que a
literatura ainda não se mostra muito bem consolidada para afirmar com precisão
quais partes do nosso corpo compõem a região do core.
Recentemente,
muitos trabalhos têm chamado atenção para incrementos em parâmetros como a
força e estabilidade dos músculos do core.
A estabilidade é definida como a habilidade de controlar a posição e os
movimentos do tronco sobre a pélvis, afim de permitir uma ótima produção,
transferência, controle de força e movimentos para os demais segmentos do corpo
1. Todavia, um aspecto muito importante a ser
considerado nesse quesito é que, diferentemente de testes clássicos e bem
padronizados na literatura para avaliação da força muscular (como o teste de
1RM), ainda não existe uma avaliação “padrão ouro” para mensuração da força e
estabilidade do core 1.
Nesser e
colaboradores 3, realizaram um estudo com o objetivo de
identificar as correlações entre a estabilidade do core e o desempenho em testes de força e potência em atletas
colegiais norte-americanos. Os sujeitos foram avaliados quanto a força máxima
nos exercícios de supino, agachamento e power
clean, no desempenho do salto vertical contra movimento, shuttle run de 10 jardas e a velocidade
nos sprints de 20 e 40 jardas. A
força e estabilidade do core foram
avaliadas nos exercícios de extensão lombar, flexão do tronco e ponte lateral (left and rigth side bridge). Os
resultados mostram correlações significativas entre a força do core e os sprints de 20 e 40 jardas, shuttle
run, salto vertical contra movimento, força máxima no power clean/massa corporal, no agachamento, no supino/massa
corporal, entre outras. Todavia, as correlações significativas entre a
força/estabilidade do core foram de
moderadas a fracas, sugerindo que a força do core não contribui para o desempenho de força e potência, não deve
ser levada em consideração e não deve ser o foco do treinamento.
Quais Exercícios Seriam mais Efetivos para Ativação dos Músculos do Core?
Apesar de
constatarmos que o aumento na força e estabilidade do core não possui fortes correlações com o desempenho físico e que a
ênfase em tais treinamentos não promove melhorias significativas no desempenho
esportivo, ainda assim vamos discutir sobre quais exercícios seriam mais
eficazes para aumentar a ativação do core.
Martuscello e colaboradores 4, realizaram uma revisão sistemática sobre a
atividade eletromiográfica de 3 músculos do core
(o transverso do abdômen, o multífido e o quadrado lombar) durante determinadas
atividades realizadas por adultos saudáveis. As atividades investigadas foram
divididas em 5 grupos de exercícios: 1) exercícios tradicionais para o core; 2) exercícios de estabilidade para
o core; 3) exercícios realizados em
bolas e demais implementos de instabilidade; 4) exercícios com pesos livres; 5)
exercícios com pesos livres não específicos para o core. A Tabela abaixo ilustra a descrição de tais exercícios, bem
com alguns exemplos deles.
Tabela 1. Sistema de classificação de exercícios para o
core utilizados no estudo de Martuscello e colaboradores 4.
Classificação dos exercícios |
Descrição dos exercícios |
Exemplos |
Exercícios tradicionais para o core |
Dinâmicos, com baixas cargas, comumente realizados no chão, com a
intensão de ativar a musculatura mais superficial do core |
Extensão lombar e abdominais |
Exercícios de estabilidade para o core |
Exercícios com mínima amplitude de movimento, baixas cargas,
realizados no chão e com a intensão de ativar músculos mais profundos do core |
Prone
plank e side bridge |
Exercícios realizados em bolas e demais implementos de instabilidade |
Exercícios tradicionais de estabilidade para o core, realizados com
adição de bolas ou demais implementos de instabilidade |
Extensão lombar e abdominais em bolas |
Exercícios com pesos livres |
Exercícios dinâmicos realizados com altas cargas externas com a
intensão de ativar músculos dos membros inferiores e do core |
Agachamento e levantamento terra |
Exercícios com pesos livres não específicos para o core |
Exercícios dinâmicos realizados com altas cargas externas com a
intensão de ativar músculos dos membros superiores localizados nas
extremidades distais em relação ao core |
Desenvolvimento e rosca direta |
Os resultados do estudo indicaram que os exercícios com pesos livres, tais como o agachamento e o
levantamento terra, são ótimos para promover a ativação do multífido lombar e
que nenhum outro tipo específico de exercício parece ser mais efetivo do que
outro na atividade do transverso do abdômen. A adição de exercícios isolados
para o core, como forma de
complementar uma rotina de treinamento físico que já incorpore exercícios multi
articulares realizados com pesos, é provavelmente desnecessária. Dessa forma,
ao invés dos exercícios específicos para o core,
o foco dos treinos de força e demais formas de condicionamento físico para
atletas e demais clientes devem ser na prescrição de exercícios multi
articulares com pesos livres.
Tipicamente, quando
realizados de uma maneira que proporcionem uma sobrecarga progressiva, os pesos
livres apresentam inúmeros benefícios a saúde tal como as melhoras na
composição corporal, força muscular, densidade óssea e saúde cardiovascular 5. Nenhum desses benefícios foram associados aos
exercícios específicos para o core. Sejam
os realizados no chão, ou então com a adição de bolas e demais implementos.
Outra vantagem dos exercícios com pesos livres é em relação a contínua
progressão de cargas que pode ser realizada conforme o sistema neuromuscular se
adapta às novas demandas funcionais. A progressão
de cargas é um processo necessário devido à enorme plasticidade do nosso
organismo para adaptar-se aos estímulos do treinamento 6. A plasticidade
é refletida no desenvolvimento da força, resistência e velocidade de contração,
como resultado de alterações nas demandas funcionais para essas capacidades ao
longo do processo de treinamento 7. Entretanto,
os exercícios específicos para os músculos do core - realizados no chão ou com as bolas - são tipicamente
limitados a resistência oferecida pela massa corporal dos sujeitos, representando assim uma enorme limitação no
tocante ao recrutamento de fibras musculares. Dessa forma, devido a
simplicidade da realização dos exercícios no chão, ou então com implementos
como as bolas suíças, os resultados da revisão sistemática supracitada levaram
os autores a concluir que tais exercícios parecem ser desnecessários e não recomendados.
Referências
1 Hibbs, A. E.,
Thompson, K. G., French, D., Wrigley, A. & Spears, I. Optimizing
performance by improving core stability and core strength. Sports Med 38, 995-1008,
doi:10.2165/00007256-200838120-00004 (2008).
2 Stephenson, J. & Swank, A. M.
Core Training: Designing a Program for Anyone. Strength & Conditioning Journal 26, 34-37 (2004).
3 Nesser, T. W., Huxel, K. C.,
Tincher, J. L. & Okada, T. The relationship between core stability and
performance in division I football players. J
Strength Cond Res 22, 1750-1754,
doi:10.1519/JSC.0b013e3181874564 (2008).
4 Martuscello, J. M. et al. Systematic review of core muscle
activity during physical fitness exercises. J
Strength Cond Res 27, 1684-1698,
doi:10.1519/JSC.0b013e318291b8da (2013).
5 Westcott, W. L. Resistance
training is medicine: effects of strength training on health. Current sports medicine reports 11, 209-216,
doi:10.1249/JSR.0b013e31825dabb8 (2012).
6 Fluck, M. & Hoppeler, H.
Molecular basis of skeletal muscle plasticity--from gene to form and function. Rev
Physiol Biochem Pharmacol 146, 159-216,
doi:10.1007/s10254-002-0004-7 (2003).
7 Ide,
B. N. L., C. R; Sarraipa, M. F. Fisiologia
do treinamento esportivo. Vol. 1 (2010).