A tensão específica (specific tension, ST) é a capacidade intrínseca de geração de força por unidade de área de secção transversal fisiológica do músculo. Em termos operacionais, trata-se do quociente entre a força máxima do músculo e a sua área fisiológica (PCSA), métrica diretamente relacionada ao número de sarcômeros em paralelo e, portanto, determinante da “qualidade” do tecido muscular independentemente do seu tamanho. O valor clássico de 22,5 N/cm² derivado de pequenos mamíferos é frequentemente usado como referência, mas sua transposição para humanos é problemática, pois quase todas as estimativas humanas são indiretas e exigem cadeias de inferências biomecânicas e neurofisiológicas (torque articular, braço de momento, ativação, complacência tendínea) que introduzem incertezas cumulativas .
Por que medir ST em humanos é difícil?
Em humanos, parte-se tipicamente do momento
articular máximo (MVC) e converte-se esse momento em força tendínea usando o
braço de momento do tendão no ângulo articular específico. Em seguida, a força
do tendão deve ser particionada entre músculos sinérgicos (ou assumida
proporcional à PCSA dos componentes), enquanto a PCSA do músculo de interesse é
calculada a partir do volume (MRI/CT) dividido pelo comprimento ótimo de
fascículo (ultrassom/MRI), com correção para a pennação. Cada uma dessas etapas
pode ser medida diretamente, estimada, ou tomada da literatura — e as escolhas
metodológicas afetam o valor final de ST .
O que esta revisão sistemática fez de
diferente?
Os autores executaram uma revisão seguindo
PRISMA: rastrearam 1.506 artigos, excluíram 1.436 por não reportarem ST, e
incluiram 30 estudos (1983–2023), dos quais extraíram 96 valores de ST. Para
reduzir vieses decorrentes das diferentes metodologias, criaram um sistema de
pontuação que atribui peso maior a parâmetros medidos diretamente (por exemplo,
medição do braço de momento no ângulo do pico de torque, correção para ativação
submáxima/coeativação antagonista) e peso menor a estimativas/valores de literatura.
O desfecho agregado foi então calculado como mediana ponderada pela qualidade
do método, abordagem apropriada dado o viés à direita e a curtose da
distribuição original dos valores de ST .
Principais
resultados quantitativos
Quem e o que foi mais estudado?
A literatura concentra-se em grandes grupos
do membro inferior (quadríceps, tríceps sural), mas flexores do cotovelo também
foram frequentes. Ao todo, somaram-se 413 músculos do quadríceps, 184 flexores
do cotovelo e 73 gastrocnêmios laterais. A maioria das amostras foi de adultos
jovens; 94% dos valores referem-se a extensores de joelho, flexores de cotovelo
ou flexores plantares, o que reforça a necessidade de cautela ao extrapolar
para grupos menos estudados .
Rigor metodológico e impacto no valor de
ST
Trinta variações metodológicas foram
identificadas. Nenhum estudo atingiu pontuação máxima no escore de qualidade;
os melhores (incluindo abordagens com correções para ativação, coativação e
braço de momento medido) concentraram-se em músculos do membro inferior e ainda
assim produziram ampla variação (9–60 N/cm²). Curiosamente, uma regressão
linear indicou leve tendência de redução do ST com aumento da
pontuação de qualidade, sugerindo que protocolos mais rigorosos tendem a podar
superestimativas históricas. Com a ponderação por qualidade, a mediana converge
para 26,8 N/cm², que os autores recomendam como melhor valor de referência
para músculo humano in vivo .
Fontes potenciais de erro e limitações
A determinação de ST é sensível a:
O escore de qualidade privilegiou medição
direta desses itens (quando viável), mas nenhum estudo conseguiu medir todas as
variáveis nas condições exatas da MVC para todos os músculos envolvidos,
deixando margem para incerteza residual. Ainda assim, o emprego de mediana
ponderada, triagem independente por avaliadores e consideração de confundidores
(idade, sexo, treinamento) mitigou vieses sistemáticos detectáveis .
Implicações
práticas
Conclusão
O corpo de evidências sintetizado nesta
revisão sistemática sustenta que a melhor estimativa atual da tensão
específica do músculo humano in vivo é 26,8 N/cm². Essa cifra resulta de um
balanço entre amplitude histórica de valores, refinamento metodológico recente
e ponderação por qualidade, e deve substituir extrapolações de modelos animais
quando se busca precisão em humanos .
Referência
Persad LS, Wang Z, Pino PA, Binder-Markey BI, Kaufman KR, Lieber RL. Specific
tension of human muscle in vivo: a systematic review. Journal of Applied
Physiology. 2024;137:945–962. doi:10.1152/japplphysiol.00296.2024.