Periodização híbrida: inovação metodológica ou reembalagem conceitual?

                                              Atualmente, temos dois principais desafios no ensino:
1. Ensinar o básico de forma correta e rigorosa;
2. Desconstruir os conceitos equivocados que os alunos aprendem em outros contextos.

A chamada “periodização híbrida”, tal como vem sendo divulgada em alguns materiais de caráter comercial e de divulgação profissional, apresenta um conjunto de inconsistências conceituais, metodológicas e terminológicas e uma completa reembalagem conceitual que merecem análise crítica à luz da literatura científica consolidada. Nesse breve artigo, vamos discutir sobre esse conceito e corrigir equívocos comuns sobre o tema.

Hibridismo

Em ciência do treinamento, “modelos de periodização” não são entidades puras e mutuamente excludentes. Desde os trabalhos clássicos sobre periodização, observa-se que todos os modelos compartilham princípios comuns, como a manipulação planejada das variáveis do treinamento, levando a uma organização temporal e variação sistemática dos estímulos. Assim, apresentar a “periodização híbrida” como um modelo inovador que combina métodos previamente existentes sugere, de forma implícita, que os modelos anteriores seriam rígidos e incapazes de integração, o que não encontra respaldo na literatura científica. Na prática, treinadores e pesquisadores sempre combinaram estratégias de organização temporal conforme o objetivo, o nível do atleta e o contexto competitivo.

Qual a diferença das demais formas de estruturação do treinamento?

A inconsistência reside no uso do verbo combinar treinos como se a simples coexistência de estímulos distintos configurasse, por si só, uma proposta metodológica inovadora. A literatura científica descreve, há décadas, a aplicação simultânea ou sequencial de estímulos voltados à hipertrofia, força máxima, potência, velocidade e resistência! Esse corpo de conhecimento é amplamente conhecido e reportado nos estudos sobre o fenômeno do  treinamento concorrente! Além disso, do ponto de vista fisiológico, hipertrofia, força máxima, potência, velocidade e resistência não são qualidades independentes. Elas emergem de adaptações parcialmente compartilhadas no sistema neuromuscular.

Promessa de treinos que geram ganho de massa muscular sem comprometer a performance de atletas de diferentes esportes

Essa promessa apresenta duas fragilidades principais. A primeira é a generalização indevida entre modalidades esportivas com demandas fisiológicas, mecânicas e energéticas profundamente distintas. A segunda fragilidade é a ideia implícita de que o ganho de massa muscular pode ser universalmente neutro em relação à performance esportiva. Observações experimentais indicam que a hipertrofia pode ser funcional, neutra ou prejudicial ao desempenho, dependendo do esporte, da magnitude do ganho de massa, da distribuição desse ganho entre segmentos corporais e da relação entre aumento de massa e produção de força e potência. Portanto, não existe um princípio geral segundo o qual a hipertrofia “não compromete a performance”; existe, sim, uma necessidade de análise caso a caso.

Apresentar essa promessa sem explicitar limites, condições e respostas adaptativas cria a falsa impressão de controle absoluto do processo adaptativo.

Considerações finais

A análise dos argumentos e promessas associadas à chamada periodização híbrida indica que o principal problema não reside na ausência de base científica, mas na forma como conhecimentos já consolidados vêm sendo reapresentados.

A simples reorganização ou recombinação do treinamento como já é proposto não configura, do ponto de vista científico, a proposição de um novo modelo de periodização. O que se observa é uma reembalagem conceitual de princípios previamente descritos, apresentada sob uma nova nomenclatura, sem critérios distintivos e sem validação experimental específica que justifique seu enquadramento como inovação metodológica.

Ao rotular essa reembalagem como um modelo “híbrido” e inovador, corre-se o risco de gerar confusão conceitual, especialmente entre estudantes e profissionais em formação, ao sugerir que os modelos clássicos seriam insuficientes ou ultrapassados. Na realidade, esses modelos sempre permitiram combinações, sobreposições e ajustes conforme o contexto, desde que respeitados os princípios da especificidade, da progressão e das interações adaptativas.

Assim, do ponto de vista científico, a discussão não deve girar em torno de aceitar ou rejeitar a chamada periodização híbrida, mas de reconhecer que ela NÃO ACRESCENTA NOVOS PRINCÍPIOS, MECANISMOS OU EVIDÊNCIAS AO CAMPO. Trata-se de conhecimento já existente, reorganizado e renomeado. A contribuição real para a ciência do treinamento não está na criação de novas nomenclaturas, mas no refinamento conceitual, na precisão terminológica e na produção de evidências experimentais que permitam compreender, com maior profundidade, as respostas adaptativas ao treinamento.

Autor : Bernardo N. Ide