A chamada “periodização híbrida”,
tal como vem sendo divulgada em alguns materiais de caráter comercial e de
divulgação profissional, apresenta um conjunto de inconsistências conceituais,
metodológicas e terminológicas e uma completa reembalagem conceitual que
merecem análise crítica à luz da literatura científica consolidada. Nesse breve artigo, vamos discutir sobre esse conceito e corrigir
equívocos comuns sobre o tema.
Em ciência do treinamento, “modelos de
periodização” não são entidades puras e mutuamente excludentes. Desde os
trabalhos clássicos sobre periodização, observa-se que todos os modelos compartilham
princípios comuns, como a manipulação planejada das variáveis do treinamento, levando
a uma organização temporal e variação sistemática dos estímulos. Assim,
apresentar a “periodização híbrida” como um modelo inovador que combina métodos
previamente existentes sugere, de forma implícita, que os modelos anteriores
seriam rígidos e incapazes de integração, o que não encontra respaldo na
literatura científica. Na prática, treinadores e pesquisadores sempre
combinaram estratégias de organização temporal conforme o objetivo, o nível do
atleta e o contexto competitivo.
A inconsistência reside no uso do verbo combinar
treinos como se a simples coexistência de estímulos distintos configurasse, por
si só, uma proposta metodológica inovadora. A literatura científica descreve,
há décadas, a aplicação simultânea ou sequencial de estímulos voltados à
hipertrofia, força máxima, potência, velocidade e resistência! Esse corpo de
conhecimento é amplamente conhecido e reportado nos estudos sobre o fenômeno do
treinamento concorrente! Além disso, do
ponto de vista fisiológico, hipertrofia, força máxima, potência, velocidade e
resistência não são qualidades independentes. Elas emergem de adaptações
parcialmente compartilhadas no sistema neuromuscular.
Essa promessa apresenta duas fragilidades
principais. A primeira é a generalização indevida entre modalidades esportivas
com demandas fisiológicas, mecânicas e energéticas profundamente distintas. A
segunda fragilidade é a ideia implícita de que o ganho de massa muscular pode
ser universalmente neutro em relação à performance esportiva. Observações
experimentais indicam que a hipertrofia pode ser funcional, neutra ou
prejudicial ao desempenho, dependendo do esporte, da magnitude do ganho de
massa, da distribuição desse ganho entre segmentos corporais e da relação entre
aumento de massa e produção de força e potência. Portanto, não existe um
princípio geral segundo o qual a hipertrofia “não compromete a performance”;
existe, sim, uma necessidade de análise caso a caso.
Apresentar essa promessa sem explicitar
limites, condições e respostas adaptativas cria a falsa impressão de controle
absoluto do processo adaptativo.
A análise dos argumentos e promessas
associadas à chamada periodização híbrida indica que o principal
problema não reside na ausência de base científica, mas na forma como
conhecimentos já consolidados vêm sendo reapresentados.
A simples reorganização ou recombinação do
treinamento como já é proposto não configura, do ponto de vista científico, a
proposição de um novo modelo de periodização. O que se observa é uma
reembalagem conceitual de princípios previamente descritos, apresentada sob uma
nova nomenclatura, sem critérios distintivos e sem validação experimental
específica que justifique seu enquadramento como inovação metodológica.
Ao rotular essa reembalagem como um modelo
“híbrido” e inovador, corre-se o risco de gerar confusão conceitual,
especialmente entre estudantes e profissionais em formação, ao sugerir que os
modelos clássicos seriam insuficientes ou ultrapassados. Na realidade, esses
modelos sempre permitiram combinações, sobreposições e ajustes conforme o
contexto, desde que respeitados os princípios da especificidade, da progressão
e das interações adaptativas.
Assim, do ponto de vista científico, a discussão não deve girar em torno de aceitar ou rejeitar a chamada periodização híbrida, mas de reconhecer que ela NÃO ACRESCENTA NOVOS PRINCÍPIOS, MECANISMOS OU EVIDÊNCIAS AO CAMPO. Trata-se de conhecimento já existente, reorganizado e renomeado. A contribuição real para a ciência do treinamento não está na criação de novas nomenclaturas, mas no refinamento conceitual, na precisão terminológica e na produção de evidências experimentais que permitam compreender, com maior profundidade, as respostas adaptativas ao treinamento.