O Uso de Dados de Velocidade da Barra para Regular o Treinamento de Força: Uma Análise Crítica

  • 22-02-2025

O Uso de Dados de Velocidade da Barra para Regular o Treinamento de Força: Uma Análise Crítica

A prescrição de cargas no treinamento de força está em constante evolução, buscando métodos mais precisos e eficazes. Um dos conceitos que ganhou destaque nos últimos anos é o uso da velocidade da barra — conhecido como Velocity-Based Training (VBT) — como ferramenta para ajustar a intensidade e o volume do treino em tempo real. A proposta parece promissora: utilizar a velocidade de execução para regular o treinamento de acordo com o estado atual do atleta. Mas será que essa estratégia é realmente eficaz?

O artigo de Steven M. Hirsch e colaboradores realiza uma análise crítica sobre a aplicação do VBT no treinamento de força. Embora o conceito tenha ganhado popularidade, os autores questionam sua validade prática e apresentam pontos fundamentais para reflexão.


Precisão limitada na regulação de carga

O principal objetivo do VBT é permitir ajustes diários nas cargas de treino sem a necessidade de retestar o 1RM (uma repetição máxima) frequentemente. A ideia é que a velocidade de execução de uma repetição possa indicar com precisão o percentual de 1RM que está sendo utilizado. No entanto, o artigo destaca que a realidade é mais complexa.

Estudos analisados mostraram que as velocidades registradas com cargas submáximas (20–90% 1RM) apresentam grande variabilidade entre sessões. Mesmo com atletas descansados, as flutuações nas velocidades são significativas, o que compromete a precisão das previsões de 1RM baseadas nesses dados. Modelos que tentam prever o 1RM com base em perfis carga-velocidade (load-velocity profiles) demonstraram baixa confiabilidade quando aplicados em sessões diferentes das usadas para construí-los.

Outro ponto levantado é a suposição equivocada de que as capacidades de força máxima e velocidade se recuperam na mesma taxa após estímulos de treino. Isso pode levar a erros ao ajustar cargas com base apenas na velocidade da barra, já que o atleta pode ter recuperado a velocidade de movimento, mas não sua força máxima, ou vice-versa.

Implicação prática: Confiar exclusivamente na velocidade da barra para prescrever cargas pode resultar em treinos subótimos. Há risco de subestimar ou superestimar a carga ideal do dia, comprometendo o equilíbrio entre estresse e recuperação.


Mais do que números: motivação, foco e autonomia

Apesar das limitações do VBT em regular a carga com precisão, o artigo destaca um aspecto positivo: o impacto psicológico do feedback em tempo real.

O uso de dispositivos que mostram a velocidade de execução imediatamente após cada repetição pode aumentar significativamente a motivação do atleta. O feedback constante cria um ambiente mais dinâmico e competitivo, incentivando o esforço máximo em cada repetição.

Além disso, o VBT promove o foco externo — concentrando o atleta no efeito do movimento (como "mover a barra o mais rápido possível") em vez de se concentrar nos próprios músculos ou técnica. Pesquisas mostram que esse tipo de foco melhora o desempenho motor e facilita o aprendizado de novas habilidades.

Outro benefício é a autonomia. Permitir que o atleta tenha algum controle sobre o treino — como decidir quando aumentar a carga ou quando receber feedback — pode aumentar o engajamento e a adesão ao programa.

Implicação prática: Mesmo que o VBT não seja perfeito para prescrição de cargas, ele pode ser uma ferramenta poderosa para aumentar a motivação e o engajamento dos atletas durante o treino.


Alternativas promissoras para o uso da velocidade da barra

O artigo sugere que, em vez de usar os dados de velocidade estritamente para prescrever o %1RM, treinadores e atletas podem adotar abordagens alternativas mais eficazes:

  • Zonas de velocidade: Em vez de associar velocidades específicas a um %1RM exato, é possível trabalhar com zonas amplas de velocidade (como zona de força ou zona de potência), reduzindo os erros e simplificando o processo.

  • Monitoramento de fadiga: A velocidade também pode ser usada para controlar o acúmulo de fadiga durante o treino. Por exemplo, interromper uma série quando a velocidade da repetição cair 20% em relação à primeira pode ajudar a manter a qualidade do treino e evitar o excesso de fadiga.

  • Feedback situacional: Em modalidades esportivas que exigem potência e velocidade, o VBT pode ser utilizado para garantir que o atleta esteja aplicando a máxima intenção de movimento, independentemente da carga utilizada.

Implicação prática: O VBT não precisa ser abandonado. Em vez de focar apenas na prescrição de cargas, seu uso pode ser expandido para monitorar fadiga, incentivar maior intenção de movimento e ajustar o treino com base em outros parâmetros além do %1RM.


Conclusão: onde estamos e para onde vamos?

O artigo de Steven M. Hirsch e colaboradores nos oferece uma visão crítica sobre o uso da velocidade da barra no treinamento de força. Embora a ideia de ajustar cargas em tempo real com base na velocidade de execução seja atraente, as evidências atuais indicam que essa abordagem ainda não é precisa o suficiente para ser usada como único critério para prescrição de cargas.

No entanto, o VBT segue sendo uma ferramenta valiosa quando usada corretamente. Seu papel no aumento da motivação, no engajamento e no foco durante o treino é claro. Além disso, sua aplicação no monitoramento de fadiga e na promoção de treinos mais dinâmicos e personalizados abre novas possibilidades para treinadores e atletas.

Resumo final: O VBT não é a solução mágica para prescrição de cargas, mas é uma ferramenta poderosa quando integrada ao contexto correto. Use-a como um complemento para otimizar o desempenho e o engajamento dos atletas.


Referência:

Hirsch, S. M., Chapman, C. J., Singh, H., Baker, D. G., & Frost, D. M. (2025). A Critical Appraisal of Using Barbell Velocity Data to Regulate Training. Journal of Strength and Conditioning Research, 39(3), 360–372.

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