Nos últimos anos, tem se popularizado o termo “treinamento híbrido” como uma suposta inovação metodológica no campo da atividade física e do treinamento esportivo. Tal conceito vem sendo propagado por influenciadores e profissionais da área como se representasse uma revolução no modo de estruturar programas de treinamento, ao propor a combinação de exercícios de força e atividades de resistência (endurance) dentro de um mesmo planejamento.
Contudo, essa proposta está longe de ser uma novidade! A integração de componentes de força e resistência é amplamente conhecida e documentada na literatura científica e usada no treinamento de atletas de modalidades intermitentes. Desde meados do século XX, pesquisadores já descrevem os efeitos agudos e crônicos da combinação dessas valências, bem como os potenciais conflitos adaptativos (por exemplo, o efeito interferência), os mecanismos fisiológicos envolvidos, as estratégias de periodização e os impactos no desempenho esportivo 1. A vasta produção científica nessa área inclui clássicos estudos de Hickson 2, que demonstraram como o treinamento simultâneo de força e resistência pode limitar ganhos de força e potência, além de inúmeras revisões sistemáticas e meta-análises publicadas nas últimas décadas.
Portanto, a recente apropriação do termo “híbrido” para designar o que nada mais é do que o treinamento concorrente representa uma tentativa infundada de reembalar práticas antigas com uma roupagem nova, sem qualquer respaldo teórico que justifique tal renomeação. Pior ainda, essa prática promove um desserviço pedagógico: ignora conceitos consagrados, deseduca estudantes e profissionais iniciantes, fragiliza o arcabouço científico da área e abre espaço para a disseminação de jargões comerciais sem conteúdo técnico.
Ao invés de contribuir para o avanço da ciência do treinamento, esse tipo de marketing pseudo-inovador tende a criar confusão conceitual, dificultando o diálogo entre a prática e a teoria. A ciência do exercício físico já dispõe de ferramentas conceituais e metodológicas robustas para planejar, aplicar e avaliar treinamentos combinados. O uso de uma nova terminologia para algo que já é consolidado não apenas é desnecessário, como é contraproducente do ponto de vista educacional.
É preciso, portanto, combater a glamourização de termos que apenas rebatizam práticas bem estabelecidas. O papel dos profissionais da área deve ser o de esclarecer, educar e difundir o conhecimento com base em evidências, e não o de aderir a modismos sem sustentação científica. A prática de nomear como “novo” aquilo que já é antigo apenas fragiliza o campo e compromete a formação crítica de novos profissionais.
Se há algo que pode de fato revolucionar o treinamento físico, certamente não será a troca de nomes, mas sim a contínua busca por fundamentação científica sólida, a melhoria das estratégias pedagógicas e a valorização do conhecimento acumulado ao longo das décadas por pesquisadores sérios e comprometidos com o desenvolvimento da área.
Referências
1 Fyfe, J. J. & Loenneke, J. P. Interpreting Adaptation to Concurrent Compared with Single-Mode Exercise Training: Some Methodological Considerations. Sports Med 48, 289–297, doi:10.1007/s40279-017-0812-1 (2018).
2 Hickson, R. C. Interference of strength development by simultaneously training for strength and endurance. Eur J Appl Physiol Occup Physiol 45, 255–263, doi:10.1007/BF00421333 (1980).