Pesquisadores de universidades da Suécia e da Austrália se uniram para lançar um alerta sobre os riscos do uso indevido de metáforas de marketing na educação superior. No artigo “University students are not customers: When marketing goes awry!”, Goran Svensson e Gregory Wood defendem que tratar estudantes como consumidores é uma analogia inadequada, que pode comprometer a missão pedagógica das universidades e alterar a natureza da relação entre instituições e alunos.
O artigo parte da observação de que universidades, ao adotarem o chamado "conceito de marketing", passaram a estruturar suas ações com base em princípios comerciais. Isso inclui a identificação de "mercados-alvo", o uso de "mensagens publicitárias" e a busca por "posicionamento de marca", especialmente nos processos de captação de novos estudantes. Tais estratégias comunicacionais acabam reforçando, no imaginário coletivo, a visão de que o estudante é um cliente em uma relação de consumo.
Segundo os autores, a relação cliente-fornecedor, típica do ambiente mercadológico, é baseada na aquisição de um produto com garantias de satisfação. No entanto, a experiência universitária exige do estudante engajamento ativo, esforço contínuo e adesão a critérios avaliativos objetivos. O conhecimento não é um bem de consumo pronto e individualizado, mas um processo de construção intelectual, em que o aluno é agente do próprio aprendizado. A metáfora do cliente, nesse contexto, gera equívocos sobre as responsabilidades e os limites da atuação universitária.
Os autores destacam que a adoção dessa lógica tem produzido consequências tangíveis, como o aumento das reclamações formais de estudantes, especialmente relacionadas a avaliações. A postura de consumidor — que exige satisfação e busca reembolso ou compensação quando frustrado — é inadequada ao contexto acadêmico, onde o fracasso ou a reprovação podem refletir a falta de desempenho, e não uma falha do "fornecedor".
Além disso, universidades que dependem financeiramente da aprovação de estudantes — como ocorre na Suécia, onde o financiamento público é vinculado ao número de formandos — podem ser pressionadas a suavizar critérios avaliativos, comprometendo a qualidade da formação oferecida.
Para ilustrar essa discussão, os autores analisam os contextos educacionais de dois países. Na Suécia, o ensino superior é amplamente financiado pelo Estado e gratuito para os estudantes, mas os repasses às universidades dependem do número de alunos aprovados, o que cria tensões entre qualidade e viabilidade econômica. Já na Austrália, o setor privado tem maior peso, e a competição por estudantes-pagantes estimula diretamente o uso de estratégias de marketing e atendimento orientado à “satisfação do cliente”.
Apesar das diferenças estruturais, ambos os sistemas caminham para uma "mercantilização" do ensino, marcada por pressões financeiras e uma comunicação institucional voltada para captar alunos como se fossem consumidores.
Em contraposição à lógica do consumidor, os autores propõem a adoção da metáfora autoridade-cidadão para representar a relação entre universidades e estudantes. Nessa visão, a universidade assume o papel de instituição formadora, com responsabilidade pública e compromisso com a excelência, enquanto o estudante é um cidadão em processo de formação, que deve ser respeitado, mas também desafiado intelectualmente.
Essa metáfora reforça o caráter formativo e democrático do ensino superior, afastando-se da lógica mercantil que reduz o ensino a uma transação comercial.
O artigo de Svensson e Wood é um chamado à reflexão sobre os rumos da educação superior em um cenário de crescente pressão por desempenho e competitividade. A substituição do compromisso acadêmico por expectativas de consumo pode fragilizar o papel social da universidade e comprometer a qualidade da formação intelectual. Ao resgatar a metáfora autoridade-cidadão, os autores defendem uma universidade que eduque para além do mercado: uma instituição comprometida com o pensamento crítico, a ética e a formação cidadã.
Referência: Svensson, G., & Wood, G. (2004). University students are not customers: When marketing goes awry! Academy of Marketing Science, 2004 Conference Proceedings, Volume XXVII, pp. 343–344.