A controvérsia sobre os efeitos distintos das ações musculares concêntricas (encurtamento) e excêntricas (alongamento) sobre a hipertrofia muscular é uma das mais debatidas na literatura do treinamento de força. Na tentativa de esclarecer essa questão, Schoenfeld e colaboradores (2017) realizaram uma revisão sistemática com meta-análise abrangente, reunindo dados de 15 estudos controlados randomizados que compararam diretamente os efeitos hipertróficos de treinamentos compostos exclusivamente por ações concêntricas ou excêntricas em adultos saudáveis.
Foram incluídos apenas estudos que: (1) compararam diretamente as ações concêntricas e excêntricas sem uso de intervenções adicionais, como restrição de fluxo sanguíneo; (2) mantiveram equivalência de variáveis do treinamento, como número de séries e repetições; (3) avaliaram alterações morfológicas por métodos diretos como biópsia, ressonância magnética (MRI), tomografia computadorizada (CT), ultrassonografia, absorciometria por dupla energia de raios X (DXA) ou impedância bioelétrica; (4) apresentaram duração mínima de 6 semanas; e (5) envolveram indivíduos saudáveis.
As análises estatísticas utilizaram modelos de meta-regressão com variância robusta, sendo aplicadas correções para amostras pequenas e avaliações de variáveis moderadoras, como tipo de exercício (isotônico ou isocinético) e segmento corporal (membros superiores ou inferiores).
A média geral de efeito (effect size, ES) foi de 0,89 ± 0,17, com uma variação média percentual de crescimento muscular de 8,4 ± 1,0%. Quando separadas por tipo de ação muscular, as ações excêntricas apresentaram um ES de 1,02 ± 0,20, contra 0,77 ± 0,17 para as ações concêntricas. Em termos de percentuais de crescimento, as ações excêntricas produziram, em média, 10,0% de aumento, enquanto as concêntricas resultaram em 6,8%.
A diferença média de ES entre as ações foi de 0,25 ± 0,13 (intervalo de confiança de 95%: -0,03 a 0,52), com valor de p = 0,076. Embora essa diferença não tenha atingido significância estatística, ela sugere uma tendência favorável ao treinamento excêntrico. A análise de sensibilidade revelou que a exclusão de dois estudos influentes (Farup et al., 2014; Seger et al., 1998) levou a um resultado estatisticamente significativo (p < 0,05), reforçando a sugestão de superioridade do estímulo excêntrico.
A análise multivariada identificou o segmento corporal como covariável significativa: treinos realizados em membros superiores apresentaram menor ES do que aqueles realizados em membros inferiores, embora esse resultado deva ser interpretado com cautela devido à influência desproporcional de estudos como o de Nickols-Richardson et al. (2007), que usou DXA com grande amostra (n = 70) e menor sensibilidade para detectar pequenas alterações hipertróficas.
A modalidade de exercício (isotônico vs. isocinético) e a duração do treinamento não mostraram efeitos moderadores significativos.
Evidências sugerem que os efeitos hipertróficos não são uniformes ao longo do músculo. Estudos como o de Franchi et al. (2014) demonstraram que ações excêntricas favorecem a hipertrofia distal, enquanto as concêntricas estimulam mais o centro do músculo. Isso pode estar relacionado à distribuição regional de dano muscular, recrutamento motor diferenciado ou padrões de ativação muscular não homogêneos.
Além disso, os estudos com biópsia indicaram maior hipertrofia de fibras do tipo II (rápidas) com ações excêntricas, o que possivelmente se relaciona ao recrutamento de unidades motoras de maior limiar, característica dessas ações. A evidência de aumento seletivo de fibras do tipo I foi mais fraca e observada em apenas um estudo.
Do ponto de vista prático, os resultados indicam que ambas as ações musculares são eficazes para promover hipertrofia, sendo a ação excêntrica potencialmente superior, ainda que de forma modesta. No entanto, o risco de dor muscular tardia, maior exigência mecânica e necessidade de equipamentos especializados tornam o uso exclusivo de ações excêntricas menos viável na prática cotidiana.
Programas tradicionais de treinamento que incluem fases concêntricas e excêntricas, como nos movimentos completos de exercícios resistidos, continuam sendo uma abordagem segura e efetiva. Já os protocolos com sobrecarga excêntrica, como os realizados em equipamentos inerciais (flywheels), ainda necessitam de investigações específicas para se inferirem equivalências ou vantagens em relação ao treinamento exclusivamente excêntrico.
Este trabalho de Schoenfeld et al. (2017) oferece uma análise quantitativa robusta sobre os efeitos hipertróficos das ações musculares concêntricas e excêntricas. Os resultados apontam para uma possível vantagem do treinamento excêntrico na indução da hipertrofia muscular, especialmente das fibras do tipo II, mas ressaltam que ambos os tipos de contração são efetivos e devem ser incluídos em programas de treinamento voltados à hipertrofia. As limitações metodológicas e a sensibilidade dos achados reforçam a necessidade de mais estudos com controle rigoroso das variáveis de carga e maior precisão na quantificação da hipertrofia.
Referência:
Schoenfeld, B. J., Ogborn, D. I., Vigotsky, A. D., Franchi, M. V., & Krieger, J. W. (2017). Hypertrophic effects of concentric vs. eccentric muscle actions: A systematic review and meta-analysis. Journal of Strength and Conditioning Research, 31(9), 2599–2608.