Disfunção Neuromuscular Após Dano Muscular Induzido por Exercício

  • 15-07-2025

O artigo publicado por Byrne, Twist e Eston (2004) na revista Sports Medicine apresenta uma abrangente revisão sobre os efeitos do dano muscular induzido por exercício (Exercise-Induced Muscle Damage – EIMD) sobre a função neuromuscular, oferecendo uma análise detalhada dos mecanismos fisiológicos subjacentes, das repercussões para o desempenho atlético e das implicações práticas para o treinamento esportivo.

1. Dano Muscular Induzido por Exercício: Definição e Características

O EIMD é frequentemente observado após exercícios excêntricos não habituais ou realizados com alta intensidade ou duração. Os sinais mais comuns incluem dor muscular tardia (DOMS), rigidez, inchaço, prejuízo funcional e alteração da arquitetura celular e do sarcolema. As ações excêntricas — particularmente em ciclos de alongamento-encurtamento (SSC) como corrida, saltos e pliometria — são as principais responsáveis por esse tipo de lesão muscular.

Estudos mostraram que as ações excêntricas produzem maiores forças (até 1,9 vezes a força isométrica) com menor ativação neural e recrutamento de unidades motoras. Esse desequilíbrio gera um estresse mecânico elevado sobre as fibras musculares, favorecendo o dano estrutural, especialmente em fibras do tipo II.

2. Prejuízos Funcionais Imediatos e Prolongados

O prejuízo na função neuromuscular é imediato após o exercício excêntrico e pode persistir por dias ou até semanas. Medidas isométricas revelam perdas de força de 35% a 60%, com recuperação que varia conforme o grupo muscular e o histórico de treinamento. Os flexores de cotovelo, por exemplo, podem levar até 12 semanas para recuperação completa, enquanto músculos locomotores como quadríceps e gastrocnêmios se recuperam mais rapidamente.


3. Relação Torque-Velocidade e Performance Dinâmica

A relação torque-velocidade após EIMD apresenta achados conflitantes. Alguns estudos indicam que a força em altas velocidades angulares é menos prejudicada, enquanto outros apontam o contrário. Tais discrepâncias parecem estar relacionadas à gravidade da lesão, ao protocolo adotado e ao tipo de fibra muscular envolvida.

Quanto ao desempenho atlético, o EIMD compromete significativamente a geração de potência. Testes como o Wingate e o salto vertical mostraram reduções de 15–25% na potência máxima, com padrão de recuperação distinto da força isométrica — a potência frequentemente sofre declínio secundário nos dias subsequentes ao exercício.

4. Saltos, Corridas e Endurance: Impacto Específico

A performance em saltos com uso do ciclo de alongamento-encurtamento (como drop jumps) é relativamente mais preservada do que em saltos sem pré-alongamento (como squat jumps), sugerindo que o uso da energia elástica e da pré-ativação muscular pode mitigar os efeitos do dano.

Na corrida de curta duração (sprints), os efeitos parecem limitados, mas a corrida de longa duração mostra maior impacto. Após maratonas ou ultramaratonas, estudos documentaram elevações de temperatura corporal, frequência cardíaca e percepção de esforço, indicando maior custo fisiológico para a mesma intensidade de exercício.

5. Mecanismos Teóricos Subjacentes

Diversos mecanismos foram propostos para explicar as alterações na função muscular após EIMD:

  • Fadiga central: embora a ativação voluntária completa pareça ser preservada em testes isométricos, inibição neural pode ocorrer em ações excêntricas rápidas.

  • Falha no acoplamento excitação-contração: há evidências robustas de que a principal causa da perda de força seja a falha na liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, sendo responsável por até 75% da perda de força.

  • Redistribuição do comprimento sarcomérico: sarcômeros sobrealongados (“popping sarcomeres”) podem falhar na recomposição da sobreposição de miofilamentos, deslocando o comprimento ideal para a produção de força.

  • Dano seletivo a fibras tipo II: fibras rápidas parecem mais suscetíveis, tanto em modelos animais quanto em humanos, o que afeta diretamente ações de alta potência.

  • Alterações metabólicas: observou-se prejuízo na ressíntese de glicogênio, especialmente em fibras tipo II, o que compromete o desempenho em esforços repetidos ou de alta intensidade.

6. Implicações Práticas para o Treinamento

Atletas e treinadores devem estar atentos ao impacto do EIMD na performance. Em esportes de força e potência, o dano às fibras tipo II e a possível inibição reflexa podem afetar significativamente a execução técnica de saltos, sprints e levantamentos olímpicos. Em atividades de endurance, o prejuízo na eficiência do SSC e o aumento do custo energético sugerem a necessidade de maior cautela na retomada dos treinos.

A alternância de sessões, alimentação adequada e estratégias de recuperação como imobilização parcial ou exercícios leves podem auxiliar na recuperação, embora sua eficácia ainda careça de maior fundamentação científica.

7. Direções Futuras e Conclusão

Os autores apontam a necessidade de investigações futuras que explorem mais detalhadamente:

  • A influência do EIMD em atividades intermitentes de alta intensidade, como futebol e rúgbi;

  • A relação entre dano muscular e desempenho funcional em contextos esportivos reais;

  • Estratégias para atenuar os efeitos do dano sem comprometer os estímulos de treinamento.

Conclui-se que o dano muscular induzido por exercício excêntrico impacta negativamente a força, a potência, a coordenação neuromuscular e o desempenho atlético, com repercussões diretas na periodização e recuperação dos treinos. Reconhecer esses efeitos e adaptar as cargas de trabalho são estratégias essenciais para a otimização da performance esportiva e para a prevenção de lesões secundárias.

Referência:
Byrne, C., Twist, C., & Eston, R. (2004). Neuromuscular Function After Exercise-Induced Muscle Damage: Theoretical and Applied Implications. Sports Medicine, 34(1), 49–69. https://doi.org/10.2165/00007256-200434010-00005

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