Um dos pilares tradicionais da identificação de talentos esportivos baseia-se na premissa de que o desempenho de jovens atletas antecipa sua performance futura na categoria adulta. No entanto, essa ideia amplamente difundida é colocada em xeque por uma abrangente revisão sistemática e meta-análise conduzida por Barth e colaboradores, publicada em Sports Medicine (2024). O estudo examinou a relação entre o desempenho em categorias júnior e sênior no contexto dos esportes olímpicos, utilizando dados de 13.392 atletas provenientes de diversas modalidades e países.
A análise revelou uma correlação média de apenas r = 0,148 entre o desempenho júnior e o sênior, indicando que o rendimento precoce explica apenas 2,2% da variância no desempenho futuro. Ou seja, 97,8% da performance na vida adulta é determinada por outros fatores ou pelo erro aleatório de medição. Esse resultado foi consistente independentemente do sexo, tipo de esporte (individual ou coletivo, medido em tempo, distância ou pontuação), forma de medição do desempenho (contínua ou dicotômica) e faixa de competição (nacional ou internacional).
A investigação ainda evidenciou que quanto mais jovem o atleta na fase júnior, menor a capacidade preditiva do desempenho nessa fase. Por exemplo, a correlação para atletas da categoria Junior A (17–18 anos) foi de r = 0,215, enquanto para Junior D (11–12 anos), a correlação foi negativa (r = –0,052). Isso implica que políticas de detecção de talentos implementadas antes ou durante a puberdade são estatisticamente frágeis e potencialmente equivocadas.
Essa constatação confronta diretamente as teorias tradicionais de dom precocemente identificado e expertise, como o modelo de Gagné e a teoria da prática deliberada de Ericsson, que defendem que o sucesso futuro depende de desempenho elevado desde a juventude. Na prática, programas de promoção de talentos baseados em resultados imediatos de jovens atletas correm o risco de selecionar indivíduos que não alcançarão níveis elevados no futuro e, paralelamente, excluir aqueles que têm potencial de desenvolvimento tardio.
Importa destacar ainda que os estudos com maior validade metodológica – ou seja, que utilizaram registros oficiais em vez de questionários – apresentaram correlações maiores (r = 0,177) do que os que dependeram da autoavaliação dos atletas (r = 0,020), sugerindo a importância da qualidade das fontes de dados nas pesquisas de desempenho longitudinal.
Por fim, os autores reforçam que indicadores alternativos ao desempenho competitivo juvenil devem ser buscados para prever o sucesso esportivo futuro. Aspectos como características de prática, suporte psicossocial, maturação biológica, habilidades perceptivo-motoras e resiliência podem fornecer pistas mais robustas sobre o potencial de um atleta do que classificações ou tempos em competições júnior.
Em conclusão, esta meta-análise fornece evidências robustas contra o uso do desempenho júnior como critério de predição do sucesso esportivo na fase adulta, e propõe uma reconsideração das estratégias de identificação e promoção de talentos no esporte de alto rendimento.
Referência:
Barth, M., Güllich, A., Macnamara, B. N., & Hambrick, D. Z. (2024). Quantifying the Extent to Which Junior Performance Predicts Senior Performance in Olympic Sports: A Systematic Review and Meta-analysis. Sports Medicine. https://doi.org/10.1007/s40279-023-01906-0